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“Como assim você não é brasileiro?”

 

   Essa é uma das perguntas mais frequentes, quando nós, pernambucanos, falamos que nossa nacionalidade não é brasileira, e sim pernambucana. Mesmo que nossos documentos, como o passaporte, afirmem que a nossa nacionalidade é brasileira. Mas o que nacionalidade quer dizer então?

  

   Não é preciso ter grande conhecimento para saber de imediato que o termo nacionalidade é derivado da palavra nação, portanto, é importante entender o conceito de nação. Muita gente confunde nação, Estado e governo. As diferenças básicas são:

  

   1 – Estado – entende-se a unidade administrativa de um território. Não existe Estado sem território. O Estado é formado pelo conjunto de instituições públicas que representam, organizam e atendem (ao menos em tese) aos anseios da população que habita o seu território. Entre essas instituições, podemos citar o governo, as escolas, as prisões, os hospitais públicos, o exército, dentre outras.

 

   2 – Governo – seria apenas uma das instituições que compõem o Estado, com a função de administrá-lo. Os governos são transitórios e apresentam diferentes formas, que variam de um lugar para outro, enquanto os Estados são permanentes (ao menos enquanto durar a divisão política).

  

   3 – Nação – tem seu conceito ligado à identidade, à cultura e aos aspectos históricos. Por nação entende-se um agrupamento ou organização de uma sociedade que partilha dos mesmos costumes, características, idioma, cultura e que já possui uma determinada tradição histórica.

 

   Este é o caso das diversas nações existentes dentro do Estado brasileiro, especialmente Pernambuco, que se distingue por sua singularidade.

 

   Foram mantidas historicamente (para evitar a fragmentação do território brasileiro) uma falsa denominação e uma característica forçada de identidade brasileira, que de fato nunca existiu. Nunca, em momento algum da história, houve essa tal identidade que até hoje nos empurram goela abaixo, para que nos sentíssemos integrados com os demais estados brasileiros. Desta maneira, usa-se o samba, a caipirinha e a feijoada como elementos de identidade cultural, forçados, que não chegam a realmente fazer parte da cultura natural de cada região-estado.

 

   Tendo em vista que nem mesmo o pejorativo termo “nordestino” (usado e abusado por pessoas de outros estados) conseguiu surtir efeito de identidade regional  no território pernambucano, concluímos que a nossa nacionalidade é pernambucana, independente de estado, governo ou território.

 

    Quem nunca ouviu pelo menos uma vez na vida um pernambucano falar “sou mais pernambucano que brasileiro”?

 

   Certa vez, o famoso poeta recifense João Cabral de Melo Neto, numa entrevista sobre política realizada pela Revista Leia (“Os escritores vão às urnas”, pesquisa, ano XI, n.132, p. 29. São Paulo: Companhia Editora Joruês, 1989), chegou a admitir: “Não me sinto brasileiro, e sim pernambucano”.

 

   Há quem erroneamente pense que o separatismo e o nacionalismo pernambucanos surgiram neste novo século virtual.

 

  

   Certa vez, Henrique Dias, herói da Insurreição pernambucana, escreveu uma carta aos holandeses que até então residiam em Pernambuco: “Saibam, vossas mercês, que Pernambuco é pátria dele e minha, e já não podemos suportar a ausência dela. Aqui haveremos de perder as vidas ou haveremos de deitar vossas mercês fora dela”. Aqui está mais do que claro que, em nenhum momento, se falou em pátria brasileira, e sim pernambucana.

 

   Eis aqui também alguns trechos de uma carta de Maurício de Nassau, que após ser derrotado pelos pernambucanos, reconhece Pernambuco por pátria dos inimigos: “Perdemos a guerra. A vitória coube aos pernambucanos. Terão uma pátria”. Hoje, o Exército brasileiro comemora 19 de abril como o seu dia. Exército brasileiro? Ou pernambucano? Como se pode dizer que defenderam o Brasil, se tanto os patriotas como o próprio inimigo declarou que a pátria era pernambucana? Mais uma obra daqueles que perpetuam a profana unidade territorial brasileira.

 

   Em 1817, foi declarada a República de Pernambuco. Na cerimônia em honra à bandeira da pátria (atual bandeira pernambucana), foi feito o seguinte discurso: “Invencíveis pernambucanos, jurai em nome de Deus de que não largardes as armas enquanto a Mãe Pátria precisar dos vossos invencíveis braços, e de não vos apartardes um só momento de suas bandeiras, de viver ou morrer gloriosamente à sua sombra. Clamai comigo em testemunho do vosso valor e eterna felicidade: Viva a Liberdade, viva a Pátria, viva os Patriotas!”. Nota-se claramente que não se referiram ao Brasil e nem aos brasileiros.

 

   O trecho a seguir consta numa matéria do jornal Diário de Notícias (Pará), de 21 de junho de 1896. O termo “pátria pernambucana” foi usado mesmo quase 80 anos após a Revolução Pernambucana e 74 anos depois da Independência do Brasil.       

   “Se o Sr. Barbosa Lima embarca no Recife com destino a esta capital, notícias dali afirmam que a pátria pernambucana soltou do peito magoado um soluço de infinda tristeza desde a Cruz do Patrão até a Baixa Verde.”


   O mais curioso é que o jornal é do estado do Pará e não de Pernambuco.

 

     Se o nacionalismo pernambucano (como dos demais estados) não fosse latente já com a formada República brasileira, não haveria razão que justificasse o gaúcho Getúlio Vargas, vindo de um estado com fortes tradições separatistas, realizar a cerimônia de cremação dos estandartes estaduais.

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     Após implantar o Estado Novo,[1] Vargas mandou realizar uma cerimônia de queima dos estandartes estaduais, na Esplanada do Russell, no Rio de Janeiro, e logo em seguida celebrar a Festa da Bandeira (cuja celebração havia sido adiada) e prestar homenagem às vítimas da “Intentona Comunista” de 1935.

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      Na cerimônia, que marcava simbolicamente a unificação maior do país e o enfraquecimento do poder regional e estadual, foi erguida 21 bandeiras do Brasil substituindo as estaduais incineradas numa grande pira no meio da praça, enquanto tocava o Hino Nacional brasileiro sob a regência do maestro Heitor Villa-Lobos e cantado por milhares de colegiais.

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    A cerimônia seguiu com o discurso do Ministro da Justiça, Francisco Campos:

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     “Bandeira do Brasil, és hoje a única. Hasteada a esta hora em todo o território nacional, única e só, não há lugar no coração dos brasileiros para outras flâmulas, outras bandeiras, outros símbolos. Os brasileiros se reuniram em torno do Brasil e decretaram desta vez com determinação de não consentir que a discórdia volte novamente a dividi-lo, que o Brasil é uma só pátria e que não há lugar para outro pensamento do Brasil, nem espaço e devoção para outra bandeira que não seja esta, hoje hasteada por entre as bênçãos da Igreja e a continência das espadas e a veneração do povo e os cantos da juventude. Tu és a única, porque só há um Brasil ─ em torno de ti se refaz de novo a unidade do Brasil, a unidade de pensamento e de ação, a unidade que se conquista pela vontade e pelo coração, a unidade que somente pode reinar quando se instaura pelas decisões históricas, por entre as discórdias e as inimizades públicas, uma só ordem moral e política, a ordem soberana, feita de força e de ideal, a ordem de um único pensamento e de uma só autoridade, o pensamento e a autoridade do Brasil.” (Correio da Manhã, 1937, p. 3).

 

    O nacionalismo pernambucano persiste desde sempre. Não estenderei aqui os inúmeros eventos emancipacionistas históricos que provam que Pernambuco é a nossa nacionalidade, por isso este artigo foi argumentado com o menos óbvio e de menos conhecimento popular. Salientamos aqui apenas o sentimento individual de cada um, para que seja mais compreensível este incompreensível sentimento de amor à pátria pernambucana.

 

   Portanto, não é à toa que vemos tantas bandeiras de Pernambuco nas ruas. Seja nas casas, nas camisas, nas canecas, no Carnaval, na praia, nas cores do frevo e do maracatu. Enquanto só se vê bandeira do Brasil de quatro em quatro anos, quando a mídia faz a lavagem cerebral no povo, implantando o nacionalismo brasileiro.

 

  O Governo do Estado de Pernambuco, alguns anos atrás, lançou um CD com o hino de Pernambuco cantado por diferentes artistas, o que mostra também que os pernambucanos sabem cantar o hino. É comum os pernambucanos levarem a bandeira de Pernambuco ao visitar outros países. Assim é o povo pernambucano, patriota. Jamais se esquece de suas origens.

 

   Nenhum pernambucano se sentiria brasileiro se não fosse a constante insistência midiática empurrando goela abaixo uma “unidade cultural nacional” usando artifícios poucos convincentes. Esses símbolos, tal como a feijoada, o samba, o futebol, foram tomando conta do imaginário da população, fazendo-a acreditar que o país todo carrega interesses em comum, quando, na verdade, em Pernambuco pouco se valoriza esses símbolos.

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     A rejeição do pernambucano à nacionalidade brasileira sempre esteve em pauta.

Em dezembro de 2016, o famoso apresentador baiano Joslei Cardinot Meira, mais conhecido por Cardinot, fez uma enquete em seu programa Por Dentro, transmitido em todo o território pernambucano:

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     “Você tem orgulho de ser brasileiro?”

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     A resposta dos pernambucanos foi o suficiente para perceber o quanto o pernambucano rejeita a sua brasilidade: 17,51% responderam que tinham orgulho de ser brasileiros contra a maioria esmagadora de 82,49%, que afirmou que não.

 

[1] “O nacional e o regional na construção da identidade brasileira.” Ruben George Oliven.

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